domingo, 7 de agosto de 2011

A corresponsabilidade social


Em virtude de um artigo intitulado Campo Minado que escrevi anteriormente, no qual eu me referi rapidamente à temática da corresponsabilidade ou co-culpabilidade social, recebi vários pedidos de maiores explicações a respeito do assunto.
Pois bem.  A denominada co-culpabilidade social prevê o reconhecimento de que a sociedade tem uma parcela de responsabilidade pela prática de infrações penais por parte de indivíduos que foram barrados do processo de inserção social e do qual foram sonegadas as perspectivas mínimas de um futuro melhor. Significa que se o corpo social falha e não oferece ao cidadão as condições mínimas de dignidade, ao menos em parte, ele deve arcar com as consequências. É a sociedade sentando no banco dos réus, lado a lado com os acusados que estão sendo julgados nos processos penais.
Eugenio Raúl Zaffaroni leciona que a co-culpabilidade se funda na constatação de que, se uma sociedade não apresenta mobilidade vertical, a ponto de oportunizar a todos os seus integrantes o mesmo espaço social, o juízo de reprovação penal deve adequar-se em cada caso, ao espaço conferido ao indivíduo. Haveria assim, uma diminuição no juízo de reprovação sobre as condutas de tais indivíduos que levaria a uma atenuação de eventual reprimenda penal.
Nossa constituição consagra a igualdade de todos perante a lei. Acontece que os doutrinadores já não aceitam tão somente a igualdade formal pois há que se buscar também a igualdade material. Assim sendo, constada a desigualdade de oportunidades em relação  a um determinado grupo de indivíduos, ela deverá ser compensada por meio de um olhar mais brando sobre as condutas dos que se encontrarem em tal situação. Se uma pessoa não teve acesso aos bons frutos que a sociedade produz, não poderá ser condenado a engolir tão somente os piores. Pessoas excluídas e expostas em condições sociais desfavoráveis contra a própria vontade, não têm plena liberdade de opção pelos caminhos de maior luminosidade, até mesmo por falta de motivação para agir conforme os ditames sociais. A sociedade que sonega dos indivíduos a oportunidade para que ele tenha alternativas para não precisar buscar o desvio da criminalidade, terá no mínimo, que compartilhar a culpa pelas práticas criminosas. 
A grande crítica que se faz a tal teoria, é a de que se estaria partindo do pressuposto de que a criminalidade seria efeito da pobreza. Realmente não o é, porém não há como negarmos que as carências materiais tornam o indivíduo mais vulnerável e reduzem em muito a as alternativas possíveis para que ele não tenha que trilhar atalhos obscuros.

Um comentário:

Unknown disse...

Muito bom esse artigo. Ao mesmo tempo, de uma clareza e complexidade, que leva ao fervor não apenas nossa consciência, mas também o nosso espírito.

Um verdadeiro chamamento e responsabilidade humana que todos deveríamos ter com nosso semelhante.

Será que do ponto de vista prático, na medida em que a subtração de nossos atos seja por descaso, ou por individualismo exacerbado, em relação aos excluídos das oportunidades, numa sociedade que traz o contraste do desenvolvimento veloz, e exclusão social cada vez maior, é tratada nesse pensamento como causa dessa exclusão, o pensamento filosófico inversamente proporcional não deveria ser aplicado?

Ou seja, quando sentar no banco dos réus um excluído social, ser levando em consideração a co-culpabilidade social em benefício do réu em questão, e quando no mesmo banco dos réus, estiver sentado um ser social que teve todas as oportunidades, ou mesmo ocupa lugar de destaque dentro dessa mesma sociedade, neste caso, o rigor de seu julgo não deve ser ampliado em relação ao ser excluído?

Me parece que alguns paradigmas da justiça, necessitariam de revisão, a começar pela simbólica figura da imagem da deusa romana Iustitia, que ao trazer seus olhos vendados, sugere o desejo de nivelar o tratamento jurídico de todos por igual, sem nenhuma distinção.

Penso que não se pode tratar os diferentes, de forma igual. Sei que em alguns casos a justiça assim o faz. Mas em muitos casos a própria justiça, se vale desse argumento filosófico, para excluir mais ainda os excluídos, e acariciar os abastados.

Concordo com a tese do artigo publicado, porém ainda me frusto por demais com a prática da justiça.