sexta-feira, 22 de julho de 2011

Batimentos cardíacos no ritmo certo



Não há esportista ou freqüentador de academia que desconheça uma das regras da boa forma mais difundidas na última década: exercício só não basta. Para atingir algum resultado, seja perder peso, melhorar o sistema cardiovascular ou virar atleta de elite, é necessário estar atento aos chamados do coração. Contar quantas vezes o órgão bate por minuto e relacionar o resultado com a idade não só evita infartos fulminantes como é uma das poucas maneiras fáceis e eficientes de diferenciar uma caminhada vigorosa de um passeio no bosque. Até aí, nada de novo para quem faz da atividade física uma rotina. Todos os templos de malhação têm impressa em aparelhos ergométricos a fórmula para calcular a freqüência cardíaca máxima, índice que permite achar as zonas ideais de treinamento. Basta subtrair a idade de 220. Depois, é só adequar o número final aos seguintes padrões: quem quer ativar o sistema cardiovascular deve manter a freqüência cardíaca entre 70% e 85% da máxima; quem quer perder peso deve ficar entre 55% e 70%. A novidade: o cálculo acima, há mais de três décadas tido como padrão de boa conduta esportiva em centros de fitness de todo o mundo, está superado.

Num estudo publicado recentemente, pesquisadores da Universidade do Colorado afirmam que o cálculo não deve ser usado para estabelecer a faixa de segurança da freqüência cardíaca. Quem segue a fórmula clássica pode errar de duas maneiras. Os mais jovens acabam se exercitando além de seus limites, colocando em risco músculos, articulações e coração. Já as pessoas acima dos 50 anos se exercitam abaixo de seu potencial. Ou seja, gastam sola de tênis em horas de esteira sem nenhum benefício coronário, exatamente o que os que estão nessa faixa etária mais procuram. O cálculo para achar a freqüência cardíaca máxima da população média foi rascunhado nos anos 50 pelo cientista americano M.J. Kavornnen e refeito pelos fisiologistas Samuel Fox e William Haskell em 1967. É a primeira vez que ele é questionado de forma tão aberta. Para chegar às novas conclusões, os fisiologistas do Colorado fizeram nada menos que 351 estudos com 492 grupos. Ao todo, 18.712 pessoas, com idade entre 18 e 81 anos, foram avaliadas. Na pesquisa realizada em 1967, não havia um indivíduo sequer que tivesse mais de 60 anos. Encabeçada pelos médicos Douglas Seals e Hirofumi Tanaka, a nova teoria ganhou reputação ao ser publicada no Journal of the American College of Cardiology.

Haskell e Fox desenharam sua fórmula apoiados num conceito simples. Depois de avaliar a freqüência em repouso e durante exercícios de pessoas das mais variadas idades, chegaram à conclusão de que a cada ano de vida o ser humano perdia um batimento cardíaco por minuto. Não é por acaso, portanto, que o número 220 é a base da fórmula. Ele representa o total de batimentos do coração de um recém-nascido. Subtraindo-se a idade do número se chegaria então ao valor mágico que poderia orientar as atividades físicas. O novo estudo da Universidade do Colorado submeteu os pacientes avaliados a extenuantes testes em esteira realizados em laboratório. Tomou-se o cuidado de excluir do grupo fumantes e pessoas com distúrbios do coração, para não haver erros. Depois de tanta cautela, a fórmula encontrada para achar a freqüência cardíaca máxima foi multiplicar a idade por 0,7 e subtraí-la de 208.

O novo cálculo pode não significar nada para a maioria das pessoas e afugentar os que odeiam matemática, mas exemplos simples revelam o que ele representa no dia-a-dia. Pela fórmula antiga, um homem saudável, com seus 70 anos, poderia exercitar-se a no máximo 150 batimentos cardíacos. Pelo novo cálculo, ele pode chegar a 159. Um homem de 80 anos teria sua freqüência máxima alterada de 140 para 152. Com um jovem de 20 anos ocorre o contrário. Se se levar em consideração o padrão antigo, pode atingir os 200 batimentos, enquanto a nova fórmula propõe 194.

A diferença de batimentos por minuto, apesar de pequena, é significativa. Quando o coração é levado a se esforçar mais do que o suportável, bate tão rápido que não tem tempo de se recuperar entre uma contração e outra. Isso pode acarretar falta de fluxo sanguíneo no miocárdio, a camada mais espessa da parede do órgão. Trata-se de uma agressão poderosa, que pode resultar numa arritmia passageira para quem é saudável ou até num infarto agudo em pessoas debilitadas por hipertensão, diabetes ou outras doenças do coração. "Esses poucos batimentos para mais ou para menos representam riscos sérios, até morte em casos patológicos", diz o professor de fisiologia da Universidade Federal de São Paulo Turíbio Leite de Barros Neto. Ele ressalta que na fórmula padrão já está embutida uma margem de segurança, que contribui, em alguns casos, apenas para piorar a situação. A freqüência máxima encontrada pode variar dez batimentos a mais ou a menos. "Um jovem de 33 anos que, usando a forma simplificada, acha o número 187 pode se meter numa enrascada se sua máxima real for 177", diz Turíbio Leite. Ele coordena uma pesquisa semelhante a ser publicada em junho e chegou a resultados próximos dos encontrados pelos cientistas do Colorado. Três mil brasileiros estão sendo avaliados desde 1994.

Dos que praticam exercícios cinco vezes por semana e têm idade entre 20 e 29 anos, 71% superestimam seu potencial cardíaco. Entre a população com idade de 60 a 69 anos, 91% trabalham aquém de suas possibilidades. O mesmo ocorre com indivíduos na faixa dos 50 a 59 anos: 60% deles exercitam-se abaixo de seu potencial.

Estudos como o da Universidade do Colorado e do fisiologista brasileiro têm uma outra utilidade, além de sugerirem uma fórmula mais exata para descobrir a freqüência cardíaca. Esse subproduto é justamente a busca de uma orientação individualizada. "Qualquer fórmula generalizante está muito longe da ideal", diz o médico esportivo Renato Lotufo, hoje responsável pela preparação do time do Corinthians. Achar uma fórmula de freqüência cardíaca que responda com segurança à média da população é um desafio para os fisiologistas. É uma das únicas formas viáveis de atingir um grande público e evitar disparates. Justamente o princípio que manteve o cálculo de Haskell válido até agora. "Quem lida com atividade física precisa afastar os desavisados de um perigo iminente. Entre a fórmula de Haskell e nada, é melhor a primeira opção", diz o personal trainer Roberto Toscano, especializado em fisiologia do exercício. Ele conta que a fórmula de Haskell tornou-se popular em 1985. Era a época da ginástica aeróbica e muitas pessoas se deixavam embalar pela música e pela coreografia das aulas, elevando seu ritmo cardíaco a níveis taquicárdicos sem ter noção do que estavam fazendo. "Por ser simples e fácil, ela trouxe resultados e continua orientando muitas pessoas."

Na tentativa de amenizar as imprecisões das fórmulas generalizadas que os médicos insistem em descobrir, uma corrente da fisiologia se utiliza de outro recurso: relaciona a freqüência máxima com outro valor referente aos batimentos cardíacos. A idéia é simples. Não importa somente o limite cardíaco, mas em quanto tempo o organismo se recupera. Uma pesquisa feita pela Cleveland Clinic, nos Estados Unidos, mostrou que, em uma pessoa comum, os batimentos devem cair vinte pontos após um minuto de repouso. Nos atletas, o número deve beirar os cinqüenta. Os pesquisadores chegam a afirmar que pessoas que diminuem apenas doze batimentos cardíacos nessas condições sofrem quatro vezes mais riscos de morte por problemas no coração nos próximos seis anos em comparação às que diminuem treze ou mais pontos. Médicos brasileiros discordam em parte das afirmativas. "A recuperação é extremamente importante, mas extrair dessa medição um diagnóstico cardíaco é chute", diz o fisiologista Lotufo. Um dos poucos testes que podem informar fielmente a quantas anda seu coração tem um nome tão complicado quanto a fórmula recentemente prescrita: VO2 max. Ele verifica o volume máximo do oxigênio consumido pelo organismo a cada minuto, que é proporcional ao peso do corpo e depende da capacidade de bombeamento do coração. Só que para fazê-lo é necessário tempo, dinheiro e disposição.

Enquanto os testes personalizados não se tornam populares e pesquisadores não chegam a um acordo, o melhor é deixar prevalecer o bom senso. "Estudos sobre preparo físico estão sujeitos a mudanças e servem para orientar as pessoas a achar a fórmula mais adequada a seu biotipo e modo de vida", disse a VEJA William Haskell, criador da fórmula mundialmente conhecida. "Não a idealizamos para doentes ou atletas. Aliás, nunca dissemos que era verdade absoluta", comenta Haskell, que disse ter assistido atônito à transformação de seu estudo num dogma. Realmente não há como negar que sua fórmula cumpriu um papel. Desde que a tabela passou a ilustrar as academias de ginástica, as pessoas começaram a se preocupar com algo mais do que a largura das passadas. Nos últimos dois anos, praticantes de atividade física em todo o país passaram a adornar o tórax com os freqüencímetros, aparelhos que informam com precisão o número de batidas do coração. A venda desses equipamentos pulou de dez unidades ao mês em 1994, quando chegaram ao Brasil, para 250 numa única loja de São Paulo. Sozinhos eles ajudam pouco. Cada esportista deve, com a ajuda de seu médico, encontrar sua faixa de segurança de freqüência cardíaca.

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